terça-feira, 15 de maio de 2012

Árvores a serem plantadas

Gosto de ler e talvez seja por isso que gosto também de escrever. Cresci numa família que sempre me incentivou a ler. Comecei com livros de história infantil, depois gibis, mais tarde os livros que meu pai emprestava na biblioteca do escritório, depois aqueles que eu emprestava na biblioteca da escola e por aí segui minha trajetória como leitora. Contudo, não tenho vergonha alguma em admitir que nunca li alguns autores imortais nem a obra completa de qualquer um deles. Não é por falta de vontade. Talvez por falta de oportunidade, talvez porque há tantos livros no mundo, talvez porque ninguém conseguiria ler tudo o que já foi publicado, nem mesmo apenas as obras que são intelectualmente valorizadas. Certa vez, contei a um professor que eu nunca havia lido Proust. Ele falou-me um pouco sobre o autor e dias depois me deu um livro dele. Não me cobrou a leitura ou opinião, apenas deu-me a oportunidade de fazer uma leitura que ele julgava interessante e essencial para minha formação enquanto leitora e pessoa. Sou adepta da frase: Gentileza gera gentileza. Se eu sei resolver um problema, não vejo mal algum em ajudar. Se alguém não conhece um assunto acerca do qual eu tenha algum conhecimento, compartilho-o sem medo, mesmo fora da sala de aula. Tomei um grande susto há poucos dias quando ouvi um doutor (sim, devo chama-lo assim, pois ele tem doutorado) dizendo aos seus pupilos do primeiro ano de um curso universitário: “Se você não tem uma carga de leitura prévia, vá embora. Aqui não é o seu lugar”. Muitas pessoas que estudam naquela sala cresceram no interior, em comunidades que nem bibliotecas tinham. A maioria é filho de pai e mãe que não concluiu o Ensino Médio, alguns nem mesmo o Fundamental. E posso apostar que muitos deles tiveram professores assim como o que acabei de citar, desperançosos e sem a predisposição para ensinar. Lembro-me de uma pesquisa que há alguns anos mostrou que meio brasileiro chega à universidade. Essas são as estatísticas, porém, as pessoas que eu vejo são inteiras, têm suas histórias, derrotas, conquistas, sentimentos e desejos. Talvez não tenham livros em suas prateleiras, mas quadros que contam tudo que um dia foi importante para eles. São livros pessoais, livros sem palavras. Nietzsche dizia que só gostava de livros escritos com sangue, aqueles que levam toda a identidade do autor. Mesmo sem serem publicados, mesmo sem serem traduzidos em palavras, aposto que cada um destes alunos tem uma história escrita com o seu sangue. Os livros de papel são essenciais. O conhecimento é necessário. Mas a sabedoria é primordial. Antes de iniciar a primeira aula esse professor nem mesmo perguntou quem eram seus alunos. Não basta saber nomes, é preciso saber o que os levou até ali, o que fazem, como e porque estudam. E quando não se sabe com quem está falando, os erros de concepção e preconceitos são inevitáveis. Quando se está no primeiro ano, no início de uma jornada, de uma viagem, de um trabalho, enfim, de qualquer situação nova, têm-se novas esperanças, criam-se novas perspectivas. Os corações dos iniciantes estão cheios de ideias e repletos de vontade. Ninguém, nem o PHD mais reconhecido em todo o mundo tem o direito de ceifar sonhos dizendo que mesmo quem conquistou o direito de chegar ao lugar almejado não deveria estar ali.
Certamente seria mais fácil apenas debater com os estudantes os autores clássicos, declamar seus poemas, fazer citações. Porém, foi da pedra bruta que Aleijadinho edificou suas esculturas. Eu sou professora de língua estrangeira. A cada semestre tenho novos alunos, os quais chegam a mim sem conhecimento algum e meses depois já conseguem demonstrar o que apreenderam ao longo do nosso convívio. E quando isso acontece, quando eles respondem sem titubear uma pergunta ou quando me surpreendem é a glória. São minhas pequenas obras de arte, minhas esculturas. O único pensamento que me vem à cabeça nesse momento é que se aquele professor está ali apenas pelo seu salário que talvez chegue a R$ 10 mil, como ele mesmo admitiu esperar, ali também não é o lugar dele. O dicionário não me deixa mentir: Professor é aquele que ensina uma arte, uma atividade, uma ciência, uma língua etc. Ou seja, professor é aquele que ensina o que seu aluno precisa aprender. Se ele não conhece o prazer da leitura, talvez seja essa a árvore que aquele professor deve plantar.

sábado, 14 de abril de 2012

Parafraseando

Diante de tanta falta de gentileza e argumentos, só posso dizer:
Os rudes que me perdoem, mas boa educação é fundamental.

domingo, 8 de abril de 2012

A cidadã ilustre nos chama de burros

Não sou iratiense, mas voto aqui, trabalho nesta cidade e gasto no comércio daqui, influenciando com minha ínfima parcela o crescimento do comércio local. Faço trabalho voluntário e participo da política. Sou cidadã, assim como outros milhares de brasileiros. Contudo, eu e outras pessoas fomos chamados de burros por exercermos nosso papel enquanto atores sociais que somos.
Isso mesmo, burros. Assim fomos classificados por questionarmos um investimento de R$ 4 milhões em algo que não está sendo utilizado, que ainda depende de investimento de outros R$ 6,5 milhões para ser finalizado. E quem nos elogiou desta forma foi Denise Stoklos, a ilustre artista que nasceu em Irati.
Todos os dias quando vou trabalhar e quando gasto meu dinheiro, boa parte dele é revertido em impostos. Recebo menos do que o combinado devido aos descontos e pago mais do que devo devido aos acréscimos. E é seguindo esta lógica que cada cidadão brasileiro abastece os cofres públicos. Convenhamos, se é tudo descontado do meu bolso, sou também dona deste dinheiro. Portanto, tenho o direito e o dever de sugerir, questionar e acompanhar os investimentos que são feitos com ele.
O questionamento foi direcionado ao posicionamento político do Governo com relação ao Centro Cultural, à falta de vontade de concluir a obra. Ninguém questionou a autoridade da homenageada quando o assunto é teatro nem a homenagem a ela, que dá nome ao local. A obra iniciou em 2007 e desde então consumiu os R$ 4 milhões que já estavam orçados para sua edificação e há mais de um ano está com as obras paradas porque o dinheiro acabou e o novo Governo do Estado prefere investir em outras áreas.
“Pulgueiros”, assim são chamados por Denise Stoklos os locais onde são realizadas atividades culturais em Irati. Realmente, não são ideais. Contudo, já assisti a peças na Broadway, com produções milionárias, e também vi artistas de rua que, mesmo sem um teto para se apresentarem, fizeram emocionar corações e alimentaram as almas de sua plateia que não paga entrada, eles é que pedem licença. Ou seja, eu e as outras pessoas que reclamamos não somos ignorantes, como fomos chamados, que não valorizam a cultura e seus equipamentos, mas fazemos parte do cotidiano da cidade e a vemos com outros olhos.
É preciso alimentar o corpo para que se possa, então, inflar o espírito com as artes. Nos postos de saúde de Irati não há médicos todos os dias. Na Secretaria de Saúde é preciso esperar dias para se fazer um exame dos mais simples, como o de urina. Faltam vagas para crianças em creches. Os professores das escolas estaduais precisam ensinar em salas de aulas superlotadas, sem conseguir dar atenção suficiente a cada um dos seus pupilos. Os políticos da cidade quando vão pedir verbas aos seus superiores falam com pesar e utilizando isso como argumento, que o município tem um dos piores IDHs (Índice de Desenvolvimento Humano) do país. De acordo com o Ipardes (Instituto Paranaense de Desenvolvimento econômico e social), a renda per capita do iratiense é de R$ 213,04. Esse dinheiro é suficiente para investir em que?
Quando se falou que talvez o espaço não tenha público suficiente, a atriz argumentou que certamente há em Irati 500 pessoas de espírito humano elevado que apreciam teatro. Deve haver sim na cidade 500 pessoas que gostem de teatro, eu sou uma delas. Mas, é preciso ter a consciência de que o município tem 55.882 habitantes, conforme o censo de 2010. Creio que R$ 10,5 milhões gastos com um espaço que beneficiará 500 iratienses amantes do teatro é também muito significativo para os outros 55.382 moradores daqui, que talvez sejam também seres de espírito elevado.
Se o espaço já estivesse em uso, a situação seria diferente, o investimento não estaria perdido. Poderia trazer progresso, oferecer cursos, movimentar a cidade, gerar alguma renda. Contudo, a cada dia ele se estraga e quando finalmente vierem as obras de finalização, muito do que já foi feito precisará ser refeito. E lá se vai mais dinheiro do povo. Povo que, em sua maioria, não terá como bancar o ingresso para ver os grandes espetáculos que, ao que tudo indica, ocuparão os palcos.
Denise Stoklos é ilustríssima, isso é inegável. Contudo, em minha opinião, a rainha que ofende os súditos perde a realeza. Não acho certo chamar ninguém de burro, mas se a burrice existe, certamente ela está nas pessoas que não sabem discutir sem ofender e aceitar que cada um tem ideias e necessidades diferentes. O debate é saudável e faz parte da democracia.
As políticas elitistas beneficiam uma pequena parcela da população, as pulgas ficam mesmo de fora dos cachorros bem cuidados dos pet shops. O "desenvolvimento do espírito humano" começa com a dignidade humana, com atendimento de qualidade na área de saúde e educação, com a oferta de empregos para que os trabalhadores possam sair dos seus "pulgueiros" e buscar novas alternativas.
Dinheiro público é dinheiro público. Cada um defende o seu. O dinheiro público é nosso, é de todo mundo que trabalha e compra, que mesmo sem querer paga impostos. Cada um de nós contribui na sua arrecadação. Por isso temos o direito e a obrigação de cobrar. E se algum famoso não gostar, o azar é dele. Quem está cotidianamente na cidade é que sabe quanto custam milhões investidos em obras paradas quando há muito a ser feito.


quarta-feira, 14 de março de 2012

Missão impossível

Os homens dizem que não entendem as mulheres. Sinceramente, acho impossível que um dia consigam. Ninguém que não passa pela mesma situação consegue entender o nervosismo de um ser que sangra por uma semana e não morre. Se pensarem por este aspecto, continuarão sem entender, mas serão mais compreensíveis com nossas TPMs.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Eufemismo

Yo: Pois é... Minha burrice me condena.
Usted: Você não é burra.
Yo: Não sou burra. Só sou menos inteligente que os demais.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

A lista

Num dia desses, estava meu pai cortando grama num final de tarde, quando um papel do outro lado da cerca lhe chamou a atenção. Deixou de lado o que fazia e foi ver do que se tratava. De longe percebeu que era um papel de escola. Talvez pudesse ser algum trabalho perdido de uma criança da rua. O que teria ela dito à professora quando chegou à escola? “Não sei o que aconteceu, quando saí de casa estava na minha mochila”, iria afirmar, nervosa com a situação. “Meu cachorro comeu”, talvez dissesse para manter-se na desculpa clássica. “Não fiz”, poderia dizer, envergonhada, a pobre criança. “Sumiu! Juro que estava aqui”, seria outra opção. "Perdi", constataria com a nota também já perdida.

Ao aproximar-se, meu pai percebeu que a folha era de um caderno de caligrafia, o que indicava que, provavelmente, tratava-se de uma criança que estava aprendendo a escrever. Seriam essas suas primeiras linhas? Quem sabe a folha teria um pontilhado e a criança seguiria os traços até que pudesse repeti-los sozinha. Talvez a primeira linha fosse escrita com a caligrafia caprichada da primeira professora, a qual serviria de modelo para o pequeno estudioso.

Grande foi a surpresa quando se revelou o conteúdo daquele papel. Estava escrito dos dois lados. Um deles demorou muito a ser feito. Havia rabiscos, palavras escritas e reescritas. Ela deve ter dedicado muito tempo para escrever tudo aquilo. O tema exigia que pensasse cuidadosamente, demandava concentração.

Havia ali uma lista intitulada “Lista de quem gosto!” – assim, com ponto de exclamação. Efetivamente, três pessoas constavam nela. Alguns nomes foram rabiscados, não mereceram mais estar ali por algum motivo. Afinal, fazer uma lista de quem se gosta não é tarefa fácil. Já diz o ditado, os bons amigos podem ser contados nos dedos das mãos...



O conteúdo do verso era o mais interessante. “Lista de quem não gosto”. Ela só ‘gaguejou’ no título, escrevendo ‘quem’ duas vezes. Depois, a escrita fluiu, saiu fácil. Constam nesta lista quase vinte nomes, poucos rabiscados... Para finalizar ela destacou: “I só por hoje”. Isso mostra que ela considera a lista um documento dinâmico, absolutamente mutável. É possível que alguns nomes mudem de um lado para o outro do papel. Vai saber...



Em que fase mesmo as meninas e meninos são inimigos? Pois, pode-se ver que só há nomes masculinos. Será que era uma lista de grandes paixões inocentes da infância? Será que ela estava de coração partido antes mesmo de aprender a escrever? Quanto tempo ela esperou até que pudesse dominar o ABC para colocar no papel este sentimento?

Há de se concordar que é muito mais fácil falar de quem não se gosta. Algumas ofensas e mágoas podem ser realmente marcantes, quem dirá para o coração de uma criança. Na segunda lista ela não deu ouvidos ao ditado popular que aconselha: “Fale bem dos seus amigos. Dos inimigos não diga coisa alguma”.

A ideia de listar pessoas não é inédita, como mostra a música de Oswaldo Montenegro. Quem já cresceu e não é mais um jovem aprendiz das letras, talvez responda com mais facilidade à questão apresentada pelo compositor: “Quantas pessoas que você amava, hoje acredita que amam você?”. Quem arriscar a reflexão, provavelmente, irá responder esta e outras questões apresentadas por Oswaldo com uma carga muito maior de mágoas e tristeza do que a da criança que listou, em seu caderno de caligrafia e com letras minúsculas, os nomes daqueles que gosta ou não. À medida que se cresce, os erros tornam-se mais graves. Quem sabe a criança, a autora, um dia veja este texto e se reconheça, talvez queira responder.



Faça uma lista de grandes amigos
Quem você mais via há dez anos atrás
Quantos você ainda vê todo dia
Quantos você já não encontra mais...
Faça uma lista dos sonhos que tinha
Quantos você desistiu de sonhar!
Quantos amores jurados pra sempre
Quantos você conseguiu preservar...
Onde você ainda se reconhece
Na foto passada ou no espelho de agora?
Hoje é do jeito que achou que seria
Quantos amigos você jogou fora?
Quantos mistérios que você sondava
Quantos você conseguiu entender?
Quantos segredos que você guardava
Hoje são bobos, ninguém quer saber?
Quantas mentiras você condenava?
Quantas você teve que cometer?
Quantos defeitos sanados com o tempo
Eram o melhor que havia em você?
Quantas canções que você não cantava
Hoje assobia pra sobreviver?
Quantas pessoas que você amava
Hoje acredita que amam você?


Dedico o texto ao meu pai, que achou e guardou o papel que me/nos serviu de inspiração.

Caminhos tortos

Estou onde estou porque todos os meus planos deram errado. Isso é absolutamente verdadeiro. As pontes que construí para chegar aonde eu queria ruíram uma após a outra. Fui então obrigada a procurar caminhos não pensados. E aconteceu, por vezes, que nem mesmo segui, por vontade própria, os caminhos alternativos à minha frente. Escorreguei. A vida me empurrou. Fui literalmente obrigada a fazer o que não queria.
O pensamento é de Rubem Alves, mas poderia ser meu e de muitas outras pessoas também...
Contudo, tomo a liberdade de continuá-lo, utilizando outra frase do mesmo autor: Se eu pudesse viver minha vida novamente, eu a viveria como a vivi porque estou feliz onde estou.