Outro dia me acidentei de carro. Não me machuquei, nem minha irmã. Pela inconsequência de um idiota que ultrapassava numa curva, passei um susto enorme quando o bolo do meu aniversário, que tinha sido na véspera, ainda estava na geladeira. Deus deve ter achado esquisito nos matar assim, depois do parabéns.
Eram 11h da manhã. Uma manhã bonita, ensolarada, tranquila. Pista simples, sem acostamento... Quando lembro, imagino uma criança brincando de carrinho, desviando um do outro por milímetros. Lembro de passar retrovisor com retrovisor, depois de quase entrar embaixo do caminhão, descer o barranco e não acreditar que havia conseguido.
Tremi e chorei descontroladamente ao ver que minha irmã estava inteira e que nada de grave havia acontecido. O carro que provocou o acidente não parou. Seguiu fazendo cagada com medo de ter a placa anotada.
Depois do acidente vêm a série de pensamentos que começam com “E se...? ”
E se eu tivesse morrido? Eu morreria insatisfeita por não ter dito a um amigo que o que eu sinto é muito mais que amizade. Morreria com a sensação de que não fiz tudo no trabalho, com a minha família, com meus amigos.
E se minha irmã tivesse morrido? Nem consigo imaginar. Apesar de não ter sido minha a falta, me sentiria culpada para sempre.
E se nós duas tivéssemos morrido? Meus pais continuariam vivendo?
E se em vez de cair naquele lugar eu tivesse caído dois metros à frente, onde o barranco virava um buraco? O carro teria capotado? O cinto teria adiantado?
E se houvesse uma árvore na minha frente?
E se eu não tivesse conseguido desviar?
E se mais um carro estivesse atrás de mim?
Tantos “e se...” que só posso mesmo é comemorar porque nenhum deles aconteceu. Todas essas possibilidades me fazem perceber que a vida é uma só, que seriam muitas as dimensões necessárias para que seguíssemos todas as conseqüências de um ato.
Se eu soubesse que ia morrer hoje, ligaria para dizer o que sinto, perdoaria meus próprios erros.
Se eu soubesse que ia morrer hoje, sairia com os amigos, comeria sem remorso as coisas que mais gosto.
Se eu soubesse que ia morrer hoje, deixaria o trabalho sem fazer, a louça por lavar.
Se eu soubesse que ia morrer hoje, chamaria alguém para dançar.
Se eu soubesse que ia morrer hoje, usaria minha roupa mais bonita.
Pensei em tudo o que gostaria de fazer se eu soubesse que ia morrer hoje. Mas a gente sempre acha que ainda há tempo e adiamos encontros, decisões, confissões.
Tenho medo de não conseguir cumprir minhas metas antes de morrer. O que mais me assusta é que todos lamentariam, mas a vida segue. A vida segue e não seguiria, pois essa é a regra. Todos voltariam ao trabalho e talvez até rezassem por mim.
Mas a coragem de fazer o que eu faria se soubesse que ia morrer passou tão rápido.
Por isso estou em casa ouvindo a chuva. Por isso, não chamei ninguém para dançar. Por isso dispenso a sobremesa. Por isso lavarei a louça. Por isso adiarei um pouco mais tudo aquilo que eu não deveria deixar de fazer hoje.
Mas, confesso, adio com a consciência pesada, afinal, já disse o poeta, é preciso amar como se não houvesse amanhã, porque se você parar para pensar, na verdade não há...