terça-feira, 22 de maio de 2012

Meu eu plural

Sou a Carolina aluna, a professora, a irmã, a amiga, a filha, a namorada. Sou a Carolina do local onde eu trabalho, sou a Carolina eleitora, a Carolina cidadã. Sou a Carolina criança, a adolescente, sou Carolina mulher. Sou a Carolina dos filmes aos quais assisti, dos livros que li, das músicas que ouvi.
Nenhuma delas se destaca. Elas não brigam dentro de mim. Ao contrário, interagem e fazem de mim a pessoa que eu sou. Não cobrem de uma delas, mas de todas. Não me enxergue como aquela que trabalha ali, mas como aquela pessoa que, além de trabalhar, vive em diversas realidades ao longo de um único dia. Sou, assim como descreveu Clarice, habitada. E pessoas habitadas são possuídas. Não pelo demo, mas por elas mesmas, pelas indagações, angústias e incertezas do seu cotidiano. Sou plural. Sou fruto de tudo aquilo que vivi e vivo, de tudo o que senti e sinto, de tudo o que vi e vejo. Portanto, quando falo, quando penso, quando ajo, não sou a Carolina, sou Carolinas. Sou uma, mas represento todas aquelas que habitam em mim. Eu respeito todas elas. E se eu as respeito, não dou a ninguém o direito de tentar me calar. Alguém pode dizer que isso é teimosia, ideologia boba, um sonho em vão. Eu dou outro nome, chamo isso de autoestima, de autorrespeito. Se uma pessoa não respeita a si mesma, não pode buscar o respeito de outrem. Embora eu seja muitas, não almejo ser universal. Quando falo o que penso, não peço autorização, não tiro o chapéu a quem não devo. Não adoto opiniões alheias para facilitar o diálogo. As opiniões são minhas e de quem com elas quiser concordar.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Perfídia

Quem escolhe ser uma pessoa pública precisa saber lidar com as críticas sem cometer injustiças. Direitos e deveres não são moedas de troca. Democracia fajuta!

Árvores a serem plantadas

Gosto de ler e talvez seja por isso que gosto também de escrever. Cresci numa família que sempre me incentivou a ler. Comecei com livros de história infantil, depois gibis, mais tarde os livros que meu pai emprestava na biblioteca do escritório, depois aqueles que eu emprestava na biblioteca da escola e por aí segui minha trajetória como leitora. Contudo, não tenho vergonha alguma em admitir que nunca li alguns autores imortais nem a obra completa de qualquer um deles. Não é por falta de vontade. Talvez por falta de oportunidade, talvez porque há tantos livros no mundo, talvez porque ninguém conseguiria ler tudo o que já foi publicado, nem mesmo apenas as obras que são intelectualmente valorizadas. Certa vez, contei a um professor que eu nunca havia lido Proust. Ele falou-me um pouco sobre o autor e dias depois me deu um livro dele. Não me cobrou a leitura ou opinião, apenas deu-me a oportunidade de fazer uma leitura que ele julgava interessante e essencial para minha formação enquanto leitora e pessoa. Sou adepta da frase: Gentileza gera gentileza. Se eu sei resolver um problema, não vejo mal algum em ajudar. Se alguém não conhece um assunto acerca do qual eu tenha algum conhecimento, compartilho-o sem medo, mesmo fora da sala de aula. Tomei um grande susto há poucos dias quando ouvi um doutor (sim, devo chama-lo assim, pois ele tem doutorado) dizendo aos seus pupilos do primeiro ano de um curso universitário: “Se você não tem uma carga de leitura prévia, vá embora. Aqui não é o seu lugar”. Muitas pessoas que estudam naquela sala cresceram no interior, em comunidades que nem bibliotecas tinham. A maioria é filho de pai e mãe que não concluiu o Ensino Médio, alguns nem mesmo o Fundamental. E posso apostar que muitos deles tiveram professores assim como o que acabei de citar, desperançosos e sem a predisposição para ensinar. Lembro-me de uma pesquisa que há alguns anos mostrou que meio brasileiro chega à universidade. Essas são as estatísticas, porém, as pessoas que eu vejo são inteiras, têm suas histórias, derrotas, conquistas, sentimentos e desejos. Talvez não tenham livros em suas prateleiras, mas quadros que contam tudo que um dia foi importante para eles. São livros pessoais, livros sem palavras. Nietzsche dizia que só gostava de livros escritos com sangue, aqueles que levam toda a identidade do autor. Mesmo sem serem publicados, mesmo sem serem traduzidos em palavras, aposto que cada um destes alunos tem uma história escrita com o seu sangue. Os livros de papel são essenciais. O conhecimento é necessário. Mas a sabedoria é primordial. Antes de iniciar a primeira aula esse professor nem mesmo perguntou quem eram seus alunos. Não basta saber nomes, é preciso saber o que os levou até ali, o que fazem, como e porque estudam. E quando não se sabe com quem está falando, os erros de concepção e preconceitos são inevitáveis. Quando se está no primeiro ano, no início de uma jornada, de uma viagem, de um trabalho, enfim, de qualquer situação nova, têm-se novas esperanças, criam-se novas perspectivas. Os corações dos iniciantes estão cheios de ideias e repletos de vontade. Ninguém, nem o PHD mais reconhecido em todo o mundo tem o direito de ceifar sonhos dizendo que mesmo quem conquistou o direito de chegar ao lugar almejado não deveria estar ali.
Certamente seria mais fácil apenas debater com os estudantes os autores clássicos, declamar seus poemas, fazer citações. Porém, foi da pedra bruta que Aleijadinho edificou suas esculturas. Eu sou professora de língua estrangeira. A cada semestre tenho novos alunos, os quais chegam a mim sem conhecimento algum e meses depois já conseguem demonstrar o que apreenderam ao longo do nosso convívio. E quando isso acontece, quando eles respondem sem titubear uma pergunta ou quando me surpreendem é a glória. São minhas pequenas obras de arte, minhas esculturas. O único pensamento que me vem à cabeça nesse momento é que se aquele professor está ali apenas pelo seu salário que talvez chegue a R$ 10 mil, como ele mesmo admitiu esperar, ali também não é o lugar dele. O dicionário não me deixa mentir: Professor é aquele que ensina uma arte, uma atividade, uma ciência, uma língua etc. Ou seja, professor é aquele que ensina o que seu aluno precisa aprender. Se ele não conhece o prazer da leitura, talvez seja essa a árvore que aquele professor deve plantar.