quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Os restos da sociedade

Nasceu. Seco. Sem lágrimas. Não houve espera. Não houve berço preparado. Alguém deu à luz. Ninguém deu-lhe a luz. Nasceu pobre. Nasceu filho da puta. Nasceu filho da amante. Filho de chocadeira. Filho do boto. Nasceu bastardo. Nasceu sem pai. Nasceu sem pensão. Nasceu sem fraldas. Nasceu como erva daninha que brota sem semear. Nasceu sem roupas. Nasceu sem bolsos. Nasceu sem moedas. Nasceu sem notas. Nasceu sem teto. Fruto do aborto proibido. Cria do macho reprodutor. Rebento do pecado original. Nasceu sem sentimento. Nasceu desprezado. Nasceu sem nome. Nasceu sem descendência. Nasceu sem árvore genealógica para montar na escola. Filho de gente ruim. Nasceu abandonado. Carrega no sangue a ruindade. Não vai prestar. Melhor não adotar. Nasceu como a comida que resta no prato. Nasceu fadado ao lixo da sociedade. Nasceu para perpetuar a desigualdade.  Eles nascem todos os dias. 

sexta-feira, 1 de julho de 2016

Estamos amando demais e sentindo de menos

Estamos amando demais e sentindo de menos. Uma frase repetida incomoda, mas milhares de emoticons tornam o dia mais feliz.

Depois que o facebook incluiu a opção de amar as postagens, passamos a amar infinitamente, sem limites, sem preconceitos, sem pensar. Amamos a foto da melhor amiga, amamos os amores alheios, amamos a citação que nem sabemos se é realmente de Exupéry, de Clarice Lispector ou de Fernando Pessoa. Amamos tudo aquilo que nos parece bonito. 

Não nos contentamos com o like, quisemos mais e eles nos deram. Podemos amar, sentir raiva, chorar, rir e nos surpreender com um wow aportuguesado que só este mundo digital pode nos proporcionar.

Em um mundo de relações tão passageiras, o amor está em todo lugar e em lugar nenhum. 

Se eu amo uma postagem qualquer, o que eu sinto pelas pessoas que estão próximas de mim? Eu amo uma frase e daqui a meia hora não lembro mais daquilo que fez meu coração bater mais forte. Este mundo de efemeridades nos torna superficiais, sensíveis demais e cada vez menos profundos.


É fácil amar o mendigo no vídeo com milhares de visualizações no you tube, difícil mesmo é oferecer-lhe coraçõezinhos cor-de-rosa quando ele passa malcheiroso por nós no caminho da boutique.