Eu sempre defendi a ideia de que rodoviárias são lugares incríveis para passar o tempo. Vê-se de tudo.
Já era mais de meia noite. O pouco movimento na rodoviária - cena de tantos crimes - me assustava um pouco. Talvez até mais do que eu imaginava, pois qualquer aproximação me deixava alerta.
Uma moça de vestido preto e sapatos azuis como os que eu gostaria de ter aguardava ansiosamente a chegada de alguém. Ela andava de um lado para o outro, mostrando o bom gosto para quem quisesse ver. As unhas pintadas de vermelho demonstravam a sua personalidade forte. Por um momento eu quis ser aquela pessoa.
Um moço bonito perdeu o seu charme limpando o nariz.
De forma improvável, um cabeludo, barbudo, sorriso largo e fala mole me acalmou. Ele fazia o estilo que assustava criancinha, mas eu, com mais cinco minutos, talvez saísse apaixonada. “Eu escrevo poesia”, disse ele, entregando-me um livreto home made. Aquele charme de poeta alternativo... Xerocado, seis folhas de um certo bom gosto pelas palavras que me envolveu. Cortado à régua, o papel estava arrepiado nas pontas. “Pode ler à vontade”. Eu li e devolvi.
Mochila nas costas, fazia o tipo hippie que sempre se aproxima de mim. Ninguém nunca viu um hippie dar presente. Mas eu tenho um presente de hippie. Eles gostam de mim. “Eles não têm preço fixo. A gente está tentando inteirar o dinheiro da passagem, sabe como é...”. Dei-lhe um real que eu gastaria num café, mas economizei porque o local onde o compraria já estava fechado. Os versos desviaram a atenção da política que eu estava lendo e afrouxei um pouco a mordida - mania feia que eu não consigo evitar quando estou tensa. Ele se foi e eu fiquei com os versos soltos de um poeta que passou rapidamente.
"Quando falava o que penso
Me chavamam de louco
Quando fiquei calado
Reclamavam do silêncio
Hoje minto o que sinto
E me chamam de poeta"
Carlos Taepo
Fui ao banheiro. Uma moça perdeu o ônibus e precisava de quatro reais para comprar outro bilhete e garantir a viagem. Parecia sincera. Dei-lhe os quarenta centavos que tinha e depois fiquei pensando de deveria ter dado o restante. Coloquei-me em seu lugar e por um momento minha consciência pesou, pensando na citação bíblica que há muito não ouvia: “Não dê o que te sobra, mas o que o outro precisa”. Se assim for, talvez aqueles quarenta centavos tenham sido uma parte da prestação da minha passagem para o inferno. Não a vi mais e logo o peso passou. Talvez ela tenha conseguido o dinheiro. Se era sincera, pode ser que estivesse chorando em algum canto. Se fosse esperta, talvez estivesse utilizando meus quarenta centavos para fazer festa. Quem sabe ligou para a mãe e deu um jeito em tudo isso.
Um casal gay desceu do carro e deixou uma mala no guarda-volume. Se o carro tem porta malas, até agora fiquei pensando porquê. O que havia naquela mala? Por que não podiam carregá-la?
Um senhor careca, cinqüentão, usando terno e com a voz muito grave fala sobre diversos assuntos com o casal que o levou até lá. Já falou mal da rodoviária, do trabalho e perguntou do cachorrinho que não sei quem arranjou. No final das contas, ele sentou ao meu lado no ônibus, mas eu isso eu só fui saber depois. Ele roncava tanto quanto falava.
O rapaz ao meu lado está curioso. Tenta ler o que eu escrevo. Não é nada, moço. São essas letras que me perseguem. No trabalho, elas me cansam. No ócio, me relaxam.
segunda-feira, 23 de novembro de 2009
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21 fizeram a Carol feliz...:
Nossa, arrazou no texto.
Vc é ótima pra descrever o cotidiano!
O verso do poeta tb aí tá show!
mais uma vez, Parabéns!
bjus
Muito bom Carol!
=D
Ola moça, vim agradecer a visita, e dizer que sera sempre bem vinda, um enorme abraço!
como eu consigo ficar tanto tempo sem vir aqui?
ser poeta por mentir...
quase dói...
pensa o q seria do seu poeta se lhe dessem um blog.
Obrigada por suas palavras e pelo seu carinho. Em breve tentarei me levantar!
bjs
Oii! Vim retribuir tua visita!!!
Adorei teu blog também!!!
Bjs....
"Quando falava o que penso
Me chavamam de louco
Quando fiquei calado
Reclamavam do silêncio
Hoje minto o que sinto
E me chamam de poeta"
Muito bom!!!
O texto ficou muito interessante. E para mim não é surpresa já que sei que vc mexe muito bem com as palavras. gosto tanto!
Beijos
oi, o espetáculo é mto gostoso. pena q não dá pra viajar pra todo lado :/
muito bom o texto, muito bom.
Maurizio
Menina, simplesmente amei teu texto!!!!
Nossa, vc é super criativa, animada, divertida.
Adorei!!!!!
Vou te seguir com certeza!
Pra começar já dei risada logo no início, da frase do seu perfil: "ter nascido me estragou a saúde"
kkkkkkkkkkkkkk muito bom!!! adorei teu perfil.
Dá pra ficar horas aqui, lendo...
Me senti muito bem aqui.
Voltarei!!! :)
Beijos
Maravilhoso mesmo! Gosto muito desse tipo de texto que conversa com a gente e é humano, espontâneo. Seu texto ficou demais!
Adoro rodoviária, eu fico atenta com as malas mas, medo eu não tenho.Também tenho muitas histórias curiosas neste cenário.
*Obrigada pelo comment no meu blog.
A idéia era ironizar "Homens são de Marte, Mulheres são de Vênus" mas, qndo você falou em outros planetas, fikei tentada. E com Mercúrio seria talvez um verso escracho. kkk
beijos
Não tive tempo de ler seu blog todo, mas sua criatividade e percepção de dinamismo fisgaram minha atenção. Tinha acabado de sair de um blog que tinha palavrões, ofensas e coisas bizarras para chamar atenção. Não sei quantos mil seguidores... Obrigada pela visita e continue escrevendo assim, pois tenho fome do tempero da combinação das palavras. Elas me saciam. Bjs
Carol,
Adorei... Como passeios em lugares simples nos inspiram, né?
Amei a poesia, totalmente sensata. Eu n daria os quatro reais, ela poderia ter se organizado pra chegar na hora, não perdoo muito os atrasos...rs
E no final , entre medos e curiosidades, onde o mal é bom, e não sabemos se o bom nos engana...vc garantiu seu post!
Adorei rs
bj
Oi Carol,
Obrigado pela visita no amordepapelão e pelo seu comentário.
Curti seu texto. Ele é leve e interessante como se deve ser no pouco espaço que devemos usar numa postagem.
Mantenho também um outro blog [www.xoogle.wordpress.com] onde escrevos sandices e ÀS VEZES alguma coisa digna de ser chamada de séria.. rss
Um beijinho e tudo de bom!
Ivan.
Hua, kkk, ha, ha, para mim, rodoviárias são parte da minha vida...
Vivo viajando...
Retribuindo a visita.
Mas no caso da menina, até daria o dinheiro, mas pegaria o dinheiro compraria a passagem para ela, ai quero ver gastar...
Fique com Deu, menina Carol.
Um abraço.
Belo texto, adoravel a narrativa das cenas da rodoviaria, desde a bela moça ao rapaz que perdeu a beleza assoando o nariz...rs..rs...muito tomo os detalhes....obrigado pela sua visita ao meu blog O Ultimo Barco do Planeta, me perdoa a demora em retribuir, te convido a visitar meu blog principal, atualizado diariamente, o Livro dos Dias, www.olivrodosdiasdois.blogspot.com -- um beijo eum belo final de semana pra ti.
Gosto da presença do que é alteridade no seu texto, a descrição dos fatos me lembrou 'o plano sequência" utilizado na linguagem do cinema.
O final é surpreendente, pois demonstra uma bela explicação do que é a metalinguagem. Senti uma certa influência da Senhora lispector, mas sm tirar a sua autonomia e criatividade.
www.neuroticoautonomo.zip.net
Oi Carol, tudobem?
Menina arrazou no texto, achei perfeito, super profundo.
esse trecho mais ainda "Quando falava o que penso
Me chavamam de louco
Quando fiquei calado
Reclamavam do silêncio
Hoje minto o que sinto
E me chamam de poeta"
Lindíssimo.
Que bom q gostou querida,rsrs
Bjos
:)
rodoviária é mesmo uma lupa das tipos da sociedade, é massa ^^
apesar d dar medo as vezes :P
Mulher, cade vc???
Parou de escrever? ou perdeu a caneta na rodoviária ( ops o mouse, ou o teclado kkk)
bjs
posso indicar um livro?
mas só indico se você prometer ler.
promete?
tá então eu indico.
chama o livro amarelo
ou o livro amarelo do terminal.
bjos
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