sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Invisível

Como muitas em todo o país, ela tinha o perfil Bolsa Família. Mal vestida, negra, cabelo ruim. Talvez se chamasse Maria. Era magra, tão magra que se pudéssemos ver suas canelas escondidas debaixo das calças largas, talvez não compreendêssemos como suas pernas conseguiam sustentá-la. Era pobre, não cheirava bem. Embora a sala estivesse cheia, ela parecia ser a única. Foi chamada de louca.

Todos se incomodaram enquanto a tal louca falava ao mesmo tempo que o prefeito. “Meu Deus, que desrespeito!” – resmungavam. Enquanto eu respondia mentalmente: “E quanto desrespeito ela já não passou na vida?”.

Quando um celular tocava - no aparelho que só ela via em sua mão - ela atendia a chamada. Contava ao ouvinte onde estava e o mantinha informada sobre tudo o que o prefeito dizia. Certa vez ficou brava, pois parece que era sempre a mesma pessoa que ligava. “Já não te disse que estou numa reunião importante? Pare de me ligar. Não posso parar o negócio aqui toda hora pra te atender". Alguns riram, outros ficaram constrangidos, afinal, enquanto ela sonhava que seu celular desviava a atenção da palestra, o deles realmente o fazia.

Enquanto o prefeito reclamava, cheia de boa vontade ela dizia: “Quando eu ganhar um milhão vou acabar com tudo isso. Você vai ver. Vocês todos vão ver. Vou dar um jeito nisso. Vou dar dinheiro pra todo mundo, mas é só pra quem merece”. Nesta hora, alguns previram que seus bolsos continuariam vazios.

Fico pensando em quantas vezes aquela senhora já foi invisível. Quiçá esta tenha sido a primeira vez que foi vista e ouvida.

6 fizeram a Carol feliz...:

Átila Goyaz disse...

Adorei o texto...
Imaginei essas figuras loucas mesmo de cidade pequena..sempre tem uma pessoa conhecida como a louca né?

Parabéns!

Michele S. Silva disse...

E por falar em cheiro, publiquei no você não soube me amar, um texto em sua homenagem...rsrsr, aliás, em homenagem às suas loucuras com o cheiro...

Maris Morgenstern disse...

estava eu lendo o texto q a michele falou ali a cima, e fique tentanto saber quem era.
no final decidi:
só pode ser a carol
e oh...
acertei.
bjos querida

Luna disse...

Ai, que belo texto.

Arthur Alter L. disse...

Oi Carol,
gostei de sua vista no Em Crônicas e Contos. É verdade muita gente vê apenas o lado sexul do amor, mas não nesse contexto que escrevi. Eu sou daqueles que procuro sempre dessexualizar o amor, pra ele realmente ter seu significado menos banalizado.
Volte mais vezes.

Fernando Rocha disse...

Recentemente assisti à um documentário chamado "profissionais Invísiveis",parece que o sistema embrutecido do capital nos cega para a humanidade que há em todos, fazendo-nos olhar apenas para aqueles considerados que atingiram o status de cidadão, algo totalmente subjetivo e forado pela sociedade.

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