segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Prece

Em sua grandeza, o mar une água, terra e ar

Mergulhei pedindo, para mim também, imensidão 

Implorei sabedoria para compreender quando recuar e voltar com força

Clamei para ser abrigo e permitir fluir a vida, receber correntezas

Supliquei para ser ao mesmo tempo o silêncio e o som

Água salgada: as ondas, as lágrimas

O mar e eu somos um só 

sexta-feira, 25 de outubro de 2024

Prece de mãe

Oração de mãe é mais poderosa que as dores do mundo

Todos os dias ela reza por mim, intercede, implora

Acredita que suas palavras chegam ao céu e me distanciam dos problemas terrenos

Ajoelhada diante de suas santas, pede por nós, seres tão impuros e descrentes

Suas mãos morenas, levemente enrugadas e quentes tocam minha testa com um sinal de cruz, símbolo austero de sofrimento e proteção 

Prece de mãe é mais forte que incredulidade 

As preces de minha mãe alimentam o sonho de proteger-me

Prece de mãe salva até filho que perdeu a fé 

sábado, 5 de outubro de 2024

Cadeiras de plástico

Você já visitou a câmara de vereadores ou a prefeitura da sua cidade? Como são as cadeiras nas quais seus representantes políticos se sentam? Quão confortável é a cadeira do vereador que você elegeu, na qual ele se senta por poucas horas durante a sessão legislativa semanal? 

Certamente, não é uma cadeira de plástico. Afinal, quem gosta de se sentar em cadeiras de plástico? Quem fica confortável em uma daquelas cadeiras brancas, cujos pés se abrem de acordo com o peso da pessoa? 

Aqui na Bahia, na semana passada, tivemos uma emergência e passei uma noite acompanhando meu esposo no hospital, que se contorcia com cálculos renais. Chegamos no início da madrugada. Medicado, com a dor amenizada, ele dormiu sem coberta ou travesseiro. Saímos sem diagnóstico, apenas com a solução momentânea para a dor, por volta das nove da manhã. Eu passei a noite em uma cadeira de plástico, simples, branca-encardida, sem apoio para os braços e ressecada pelo tempo. 

Minha coluna e nervo ciático me lembrarão dessa noite por algumas semanas. 

No Paraná, há mais de dois anos, meu pai e meu tio, ambos com mais ou perto dos sessenta anos, dormiram em cadeiras de plástico por dezessete noites seguidas, acompanhando minha avó que lutava contra a pneumonia que a levou à morte.

Aqui ou lá, em regiões do país tão distintas e distantes, em cidades governadas por políticos de partidos opostos, quem acompanha uma pessoa querida no hospital público da cidade dorme em cadeiras de plástico. Como se não bastasse a dor emocional, soma-se a dor física.

As cadeiras de plástico são terríveis em situações corriqueiras: nas reuniões de escola, na festa de aniversário, no culto ao qual você vai voluntariamente... Nos hospitais, elas não são apenas desconfortáveis, são cruéis e desumanas. São também um indício da insensatez do governante, pois, cadeiras de plástico adoecem a coluna e prejudicam o sono. Pessoas que não dormem e com as costas inflamadas ficam doentes e, uma vez doentes, voltam ao hospital como pacientes. Uma vez pacientes, geram gastos para o poder público.

É outubro novamente e não vi ninguém apresentar proposta para banir as cadeiras de plástico da sociedade, mas olho para @s candidat@s e penso quais deles passariam pelo mesmo que eu, quais recorreram ao SUS em caso de doença na família. Ao observar, entendo que os que passariam pela mesma situação serão os mais sensibilizados. Como diz Carolina Maria de Jesus, o Brasil precisa ser governado por alguém que tenha passado fome, pois a fome também é professora. 

Na hora de escolher a quem dará seu voto, escolha @ candidat@ mais humano, aquele que olha os detalhes, que vê para além dos números, que sabe que as cadeiras de plástico não comportam as nossas dores e nossos corpos.

terça-feira, 10 de setembro de 2024

Quarentar


Quarentar se fez verbo. Quarentar é ter a sensação de estar no meio do caminho. É estar tão perto dos 20 quanto dos 60. É assustador não ser tão jovem que possa rir das irresponsabilidades nem tão velha para me aposentar.

As escolas nas quais estudei não existem mais. São prédios antigos, vazios, que não ecoam mais os gritos e risadas da infância e da juventude, mas guardam segredos cochichados entre melhores amigos e quiçá algum desenho não encoberto pela tinta que apaga os riscos, mas não as memórias. As lembranças são tão nítidas que posso narrar em detalhes as salas de aula, a poeira brilhando magicamente sob o sol da manhã de inverno e o cheiro do tempero do lanche sendo preparado na cantina. Depois da escola, era a hora da bicicleta, da piscina, dos jogos de queimada na rua, debaixo da árvore de folhas gigantes.

Ainda guardo comigo a manta vermelha na qual eu era carregada quando bêbe, como se a infância estivesse logo ali, como se eu ainda coubesse no colo de minha mãe e pudesse ser ninada até o choro cessar.

É setembro. Já se pode sentir o cheiro da primavera dobrando a esquina. Os ipês floresceram lindamente neste ano, mesmo longe de mim. A natureza é imperiosa e não se abstém de sua função. Os ipês são belos, não importa a perspectiva da qual sejam admirados: olhando para cima, pintam de amarelo o céu azul, para baixo, dão vida à calçada, transformando-a em tapete sem igual. Em um momento em que a vida me faz perguntas cruciais, os ipês amarelos me aguardam dizendo que eu posso sempre voltar, que a vida é bonita e que os ciclos vêm e vão: é preciso brotar, ser semente, florir, alegrar, cair e recomeçar.

Quarentei com medo de dizer que quarentei. Quatro décadas parecem muito para quem acha que viveu tão pouco e aprendeu quase nada. Que eu possa cinquentar, sessentar, setentar, oitentar e até mesmo noventar, como fizeram minha avó e tias-avós, pois, enquanto for verbo, serei vida.

sexta-feira, 24 de maio de 2024

Em trânsito

Ouvi dizer que em algumas cidades mundo afora estão usando um artifício revolucionário no trânsito. Tem baixo custo e um retorno incrível. São faixas pintadas no chão das ruas, como uma zebra (tanto é que na Inglaterra chamam de "zebra crossing"). Funciona assim: os pedestres devem atravessar as ruas nesses locais. Nas autoescolas estão ensinando motoristas a pararem para que os pedestres cruzem em segurança e o trânsito flua melhor. Achei o máximo! Que tal se a gente trouxesse isso pra cá? 

Ouvi falar também das chamadas "setas". É uma luzinha que vem integrada ao carro e o motorista usa para indicar para que lado irá virar. Vou me informar melhor e depois compartilho com vocês o que eu descobrir acerca do funcionamento deste equipamento inovador. 

[Só a ironia me permite sobreviver!]

quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

Epitáfio nordestino

Karolina vai no chão 
Karolina an an an 
Karolina vai no chão 
Karolina an an an 
Karolina vai no chão 

Música: Karolina 
Composição: O erótico (sooooocorro!)
PS: No túmulo deixem sem a autoria porque é humilhação demais!



terça-feira, 7 de novembro de 2023

Sobre as avós e os dias de chuva

Quando eu era criança, no início dos anos noventa, não tínhamos telefone em casa. Então, no domingo à noite, meu pai nos convidava para ligar para a vó Maria. Nós morávamos em um lugar lindo, que fazia jus ao seu nome: Fazenda Monte Alegre. Um lugar de ruas largas, com imensas árvores e cantos de passarinhos, onde eu aprendi a amar os ipês. Eu pegava minha bicicleta, amarela – vibrante como as flores dos ipês, e ia feliz, serpenteando na frente, enquanto ele nos seguia a pé, até o escritório. Eu gostava do cheiro de limpeza e do eco que fazia ao adentrar o prédio vazio. Lá, naquele telefone cinza e de fio embolado, antes tão populares, mas que hoje não se vê mais por aí, ele chamava a telefonista pedindo uma ligação para Irati, Paraná. Em poucos instantes ouvíamos o trimmmmmmmm estridente, hoje tão saudoso. Era a telefonista que retornava com minha avó do outro lado da linha.
Depois de conversar um pouco, ele me colocava para bater papo e escutar o que a vovó tinha a nos contar. Ela perguntava da escola, dos amiguinhos, dos peixes do aquário, do cachorrinho. Ela morava no alto do bairro, em uma casa amarela, de madeira, com varanda “em L” na frente. As calçadas avermelhadas eram feitas de caquinhos e ganhavam vida com as flores coloridas e sempre bem cuidadas, ladeando a casa e as cercas: beijinhos cor-de-rosa, margaridas brancas e pimentas sarapintadas, entre tantas mais...
No quintal da casa da vó, havia um mar de alface. Toda manhã e tarde elas eram regadas. Iam para as nossas refeições e para muitas outras mesas dos arredores, pois os vizinhos, perto da hora do almoço, batiam no portão para comprar as verduras fresquinhas da dona Maria.
“Hoje choveu muito”, ela dizia ao telefone. “Está coisa mais linda aqui do alto! As alfaces estão crescendo de um dia para o outro, dá até para ver as folhas dobrando de tamanho. Aqui do alto, consigo enxergar o festival de guarda-chuvas coloridos. As crianças vão para a escola felizes com suas sombrinhas e as moças vão trabalhar apressadas. Coisa mais linda! Uma de cada cor”, ela relatava. Eu ouvia e imaginava como eram lindos os sombreiros coloridos circulando pelas ruas. Na minha cabeça de criança, parecia um carnaval multicolorido, com sombrinhas dançando frevo enquanto a água caia, insistente, do céu enevoado. De tempos em tempos, de fusca amarelo, percorríamos os 250 quilômetros de distância para visitá-la. Mas, nos dias de chuva, por mais que eu estivesse pertinho e de olhos atentos, jamais consegui ver as folhas de alface crescendo. Eu abria a porta e, lá da varanda "em L" da charmosa casa de minha vó, naquela época tão grande para mim, eu não enxergava muito. Sempre achei que fosse culpa da minha altura. Escalava os pilares, mas nunca era alto o suficiente para avistar o arco-íris. Pensava que, com o tempo, cresceria e poderia ver a maravilha do desfile de guarda-chuvas coloridos lá embaixo.
Cresci e descobri que as folhas realmente se desenvolvem mais rápido quando chove, mas não se vê a olho nu, ainda mais com o afã da vida adulta. Notei também que os guarda-chuvas de fato invadem as ruas quando chove. Aqui, no andar de cima, no centro da cidade, neste dia chuvoso, me dei conta que há sempre maneiras mais belas de narrar o cotidiano. Os dias chuvosos não precisam ser tristes nem cinzas. O brotar das folhas pode ser, sim, um milagre e não um fato corriqueiro da natureza. Daqui do alto, bem mais alto do que a linda varanda “em L” da minha vó, percebo que a maioria dos guarda-chuvas é preta. As avós, além de tornarem as mesas mais doces, fazem do nosso pequeno mundo um lugar mais colorido.