Quando eu era criança, no início dos anos noventa, não tínhamos telefone em casa. Então, no domingo à noite, meu pai nos convidava para ligar para a vó Maria. Nós morávamos em um lugar lindo, que fazia jus ao seu nome: Fazenda Monte Alegre. Um lugar de ruas largas, com imensas árvores e cantos de passarinhos, onde eu aprendi a amar os ipês. Eu pegava minha bicicleta, amarela – vibrante como as flores dos ipês, e ia feliz, serpenteando na frente, enquanto ele nos seguia a pé, até o escritório. Eu gostava do cheiro de limpeza e do eco que fazia ao adentrar o prédio vazio. Lá, naquele telefone cinza e de fio embolado, antes tão populares, mas que hoje não se vê mais por aí, ele chamava a telefonista pedindo uma ligação para Irati, Paraná. Em poucos instantes ouvíamos o trimmmmmmmm estridente, hoje tão saudoso. Era a telefonista que retornava com minha avó do outro lado da linha.
Depois de conversar um pouco, ele me colocava para bater papo e escutar o que a vovó tinha a nos contar. Ela perguntava da escola, dos amiguinhos, dos peixes do aquário, do cachorrinho. Ela morava no alto do bairro, em uma casa amarela, de madeira, com varanda “em L” na frente. As calçadas avermelhadas eram feitas de caquinhos e ganhavam vida com as flores coloridas e sempre bem cuidadas, ladeando a casa e as cercas: beijinhos cor-de-rosa, margaridas brancas e pimentas sarapintadas, entre tantas mais...
No quintal da casa da vó, havia um mar de alface. Toda manhã e tarde elas eram regadas. Iam para as nossas refeições e para muitas outras mesas dos arredores, pois os vizinhos, perto da hora do almoço, batiam no portão para comprar as verduras fresquinhas da dona Maria.
“Hoje choveu muito”, ela dizia ao telefone. “Está coisa mais linda aqui do alto! As alfaces estão crescendo de um dia para o outro, dá até para ver as folhas dobrando de tamanho. Aqui do alto, consigo enxergar o festival de guarda-chuvas coloridos. As crianças vão para a escola felizes com suas sombrinhas e as moças vão trabalhar apressadas. Coisa mais linda! Uma de cada cor”, ela relatava. Eu ouvia e imaginava como eram lindos os sombreiros coloridos circulando pelas ruas. Na minha cabeça de criança, parecia um carnaval multicolorido, com sombrinhas dançando frevo enquanto a água caia, insistente, do céu enevoado.
De tempos em tempos, de fusca amarelo, percorríamos os 250 quilômetros de distância para visitá-la. Mas, nos dias de chuva, por mais que eu estivesse pertinho e de olhos atentos, jamais consegui ver as folhas de alface crescendo.
Eu abria a porta e, lá da varanda "em L" da charmosa casa de minha vó, naquela época tão grande para mim, eu não enxergava muito. Sempre achei que fosse culpa da minha altura. Escalava os pilares, mas nunca era alto o suficiente para avistar o arco-íris. Pensava que, com o tempo, cresceria e poderia ver a maravilha do desfile de guarda-chuvas coloridos lá embaixo.
Cresci e descobri que as folhas realmente se desenvolvem mais rápido quando chove, mas não se vê a olho nu, ainda mais com o afã da vida adulta. Notei também que os guarda-chuvas de fato invadem as ruas quando chove.
Aqui, no andar de cima, no centro da cidade, neste dia chuvoso, me dei conta que há sempre maneiras mais belas de narrar o cotidiano. Os dias chuvosos não precisam ser tristes nem cinzas. O brotar das folhas pode ser, sim, um milagre e não um fato corriqueiro da natureza.
Daqui do alto, bem mais alto do que a linda varanda “em L” da minha vó, percebo que a maioria dos guarda-chuvas é preta. As avós, além de tornarem as mesas mais doces, fazem do nosso pequeno mundo um lugar mais colorido.
terça-feira, 7 de novembro de 2023
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1 fizeram a Carol feliz...:
Que perfeição ao descrever o olhar da vó... "Sempre com uma maneira bela de narrar o cotidiano", afinal cenouras não eram só cenouras, eram "cenouras fresquinhas", e tem mais... "sopa de veludo", "água fresca", "morangos sem veneno"... um lúdico no dia a dia.
Que bênção, nesta janela de tempo chamada vida, eu compartilhar a mesma avó com você, e com os outros primos e primas. Eu realmente sou uma pessoa abençoada!
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