terça-feira, 10 de setembro de 2024

Quarentar


Quarentar se fez verbo. Quarentar é ter a sensação de estar no meio do caminho. É estar tão perto dos 20 quanto dos 60. É assustador não ser tão jovem que possa rir das irresponsabilidades nem tão velha para me aposentar.

As escolas nas quais estudei não existem mais. São prédios antigos, vazios, que não ecoam mais os gritos e risadas da infância e da juventude, mas guardam segredos cochichados entre melhores amigos e quiçá algum desenho não encoberto pela tinta que apaga os riscos, mas não as memórias. As lembranças são tão nítidas que posso narrar em detalhes as salas de aula, a poeira brilhando magicamente sob o sol da manhã de inverno e o cheiro do tempero do lanche sendo preparado na cantina. Depois da escola, era a hora da bicicleta, da piscina, dos jogos de queimada na rua, debaixo da árvore de folhas gigantes.

Ainda guardo comigo a manta vermelha na qual eu era carregada quando bêbe, como se a infância estivesse logo ali, como se eu ainda coubesse no colo de minha mãe e pudesse ser ninada até o choro cessar.

É setembro. Já se pode sentir o cheiro da primavera dobrando a esquina. Os ipês floresceram lindamente neste ano, mesmo longe de mim. A natureza é imperiosa e não se abstém de sua função. Os ipês são belos, não importa a perspectiva da qual sejam admirados: olhando para cima, pintam de amarelo o céu azul, para baixo, dão vida à calçada, transformando-a em tapete sem igual. Em um momento em que a vida me faz perguntas cruciais, os ipês amarelos me aguardam dizendo que eu posso sempre voltar, que a vida é bonita e que os ciclos vêm e vão: é preciso brotar, ser semente, florir, alegrar, cair e recomeçar.

Quarentei com medo de dizer que quarentei. Quatro décadas parecem muito para quem acha que viveu tão pouco e aprendeu quase nada. Que eu possa cinquentar, sessentar, setentar, oitentar e até mesmo noventar, como fizeram minha avó e tias-avós, pois, enquanto for verbo, serei vida.