Escrevo porque a vida dói. E porque dói eu sei que [ainda] estou viva.
A morte é um parto que dura a vida toda.
Era uma vez...
Escrevo porque a vida dói. E porque dói eu sei que [ainda] estou viva.
A morte é um parto que dura a vida toda.
Velórios são momentos únicos.
No velório a tristeza impera, mas é também naquele ambiente que vemos os parentes e amigos que há muito tempo não encontrávamos. O velório é uma festa sem alegria. Os velórios são para os abraços. Os velórios são para os vivos.
Na minha família não faltam histórias de velórios.
Ao velarmos uma tia muito amada, suas cunhadas discutiam, na alta madrugada, se poderiam ou não dormir, pois, por uma questão de flatulência incontrolável durante o sono, era possível que acabassem com a solenidade do momento. Não houve choro que não cessasse momentaneamente diante de tal diálogo.
Minha
irmã sempre erra o terço e eu, com as mãos no rosto, tento fingir que choro,
quando rio da falha recorrente, praticamente uma tradição. Já sugeri a ela que
tatue a Ave Maria nos punhos para evitar constrangimentos.
No velório de um tio muito querido, sua nora, muito prestativa, pegou a chave da capela do cemitério para limpá-la. Disse aos parentes “de sangue” para não se preocuparem. A gaveta foi cuidadosamente escolhida, nem muito em cima, para não ter excesso de sol, nem muito embaixo, perto demais da terra. Asseou tudo para que a morada eterna recebesse o sogro. Na hora do enterro, a confusão: ela limpou a sepultura errada. Abriram o local certo às pressas e assim, entre sorrisos e lágrimas, nos despedimos do tio amado. Esse mesmo tio ficou alguns dias no hospital antes de falecer. Após o sepultamento, seu filho, que havia ido ao hospital para resgatar os pertences do pai, vai até minha tia com um embrulho. “Não sei o que fazer com isso”, diz, entregando à mãe. Ela abre, vê uma prótese e ri descontroladamente: “Seu pai nunca usou dentadura. Você deixou alguém banguela! ” A história provoca muitos risos sempre que é contada em família e as conversas seguem com outros feitos protagonizados pelo saudoso tio.
No velório relembramos as proezas de quem jaz e não pode mais relatá-las. Sempre tem alguém para contar um causo que fará todos rirem ou suspirarem orgulhosos e saudosos. Os mortos sobrevivem nas lembranças dos vivos.
Velórios são temperados com lágrimas e sorrisos. Velórios são sobre os abraços que podem ser dados e os que nunca mais serão possíveis.
Nos velórios amamos com toda a intensidade. Velório é momento de reflexão. Ali imaginamos como a vida será mais difícil, triste e sem graça sem esse alguém.
Velórios são um rito de passagem. São dolorosos porque, uma vez fechada a sepultura, quem ali fica segue para a vida eterna e quem sai é condenado a voltar à vida terrena e tão incerta.
A pandemia nos tirou o direito de velar nossos mortos e acalentar os vivos. Na pandemia a despedida (e a falta dela) é ainda mais triste.
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A quem perdeu alguém querido e não pôde ser consolado, desejo que as boas lembranças inundem seu coração e que em breve possamos nos abraçar.