Professor em sala de aula é rico. Não em dinheiro, é claro, mas em histórias para contar. São pérolas incomensuravelmente mais valiosas do que as raras joias das vitrines e leilões...
Em uma
manhã clara e gélida de inverno, o sol entrava pela janela da sala de aula da
velha escola. A poeira circulava magicamente, brilhando sob a luz do sol. As
crianças, no auge de seus oito anos de idade, com galochas, gorrinhos e luvas,
copiavam silenciosamente o conteúdo. Cada respiração era ouvida e vista, como
se o calor das mentes efervescentes provocasse uma reação química em contato
com o ar. Um dia perfeito, calmo e tranquilo para ensinar. A professora encheu
o quadro, muitas contas e problemas com enunciados complexos para resolver.
Mas, toda
sala tem aquele aluno malandro, que gosta de fazer piada e tem pavor de
silêncio. Enganam-se os que pensam que com seus abraços e boas notas estarão
para sempre na memória dos amados professores. Talvez em seus corações, mas não
na memória. Pelo contrário, os terríveis, os agitadores e baderneiros é que
serão para sempre lembrados.
Num momento
de distração da professora, o menino levantou-se de sua carteira, foi até o
quadro e circulou com giz colorido a sílaba CU, no meio da inofensiva palavra
cálculos. Risos e cochichos surgiram, despertando a atenção da mestra.
Protagonista de muitas histórias, a sílaba CU é tabu entre os professores mais
pudicos. Por estes, culto, culpa, cultura, cuidado e acuse podem ser usadas sem
restrições, mas as cuecas e cuscuz devem ser sempre evitadas pelo alvoroço que
podem causar.
Mas ali, na
turma da terceira série, na inocente palavra cálculos o cu gritava, destacado
pelo menino. Assim que a professora percebeu, e com a serenidade que lhe é
peculiar, falou: “Queridos, a sílaba CU é como qualquer outra e nos serve para
escrever muitas palavras: cupom, currículo, curso, curtir, curral, cultivo,
curva”. “Cuba também, né professora”, gritou um aluno (comunista, é claro!).
“Curitiba”, disse outro, sonhando com a capital. “Cubo”, complementou a garota
que se destacava em matemática. “Isso mesmo”, replicou a professora, com um
sorriso de aprovação. “O nome correto para isso que o colega está falando é
ânus e não cu”, explicou paciente. O silêncio imperou novamente diante da
palavra tão perversa e daquela grande revelação. Algumas risadinhas tímidas
escapavam, encolhidas atrás das pequenas mãozinhas enluvadas. Até que o
protagonista da história quebra o silêncio e provoca gargalhadas
incontroláveis: “Ai que chique! O cu da professora é ânus!”
PS: Se você, assim como eu, achava que cu tinha acento, saiba que me surpreendi ao ser corrigida: cu não leva acento. “A letra u só leva acento quando é a segunda vogal de um hiato”, dizem os gramáticos. Ou seja, usei o cu errado vida inteira. Verdade seja dita, o cu só encontra o a[ss]cento quando vai ao banheiro.
[Baseado em fatos reais... Como diria Manoel de Barros, só 10% é mentira, o resto é invenção]
Texto: Carolina Filipaki
Ilustração: Heleny Meiborg
(Publicado no Zine "Os", 2018)