O carro do sonho ia passar pela minha rua. Isso nunca
havia acontecido. Ouvi de longe a sua chegada. Anunciava sonhos de vários
tamanhos e assegurava agradar as pessoas de todas as idades.
Desci as escadas correndo, pensando em todos os sonhos que
poderia encontrar. Deixei a porta e o portão abertos por descuido, mas tenho
certeza que era o destino deixando a passagem livre para os sonhos entrarem.
Quando ele dobrou a esquina, parecia-me um carro forte o
suficiente para carregar os melhores sonhos do mundo. Era velho, amassado,
batido, como um carro que carrega sonhos deveria ser. Se carregar sonhos fosse trabalho
leve, não nos arrastaríamos a vida toda com(tra) alguns. Trazia na lataria
remendada as marcas dos sonhos mais difíceis.
Corri ao seu encontro, afinal, não se pode esperar que os
sonhos venham ao nosso portão. É preciso esforço para merecê-los. Cheguei
ofegante e, assim que ele me viu, parou para mim. Desceu dali um senhor gordo, camisa aberta até o umbigo, suor escorrendo na testa, os pelos do peito saltavam para fora, mostrando em
sua cor acinzentada que há muito tempo este senhor carregava os melhores sonhos
do mundo em sua parati. Meu coração batia fora de ritmo e uma lágrima fazia-se
pesada em meu olho. No fechar de uma pálpebra ela cairia como cataratas lavando
meu rosto. Mas eu não piscava, talvez nem respirasse naquele momento infinito. Quando
ele abrisse o porta-malas eu teria que escolher, dentre todos os sonhos que
tinha, um, apenas um. Como escolher? Transpirava e tremia, ansiosa.
“Boa tarde, minha filha!”, ele me disse. Era como se o Tempo
falasse comigo. Eu imaginava o Tempo como um senhor elegante, com um relógio de
bolso, a nos controlar. Mas a vida é mestra em nos surpreender. O Tempo era estranho
como o velho que eu via sentado na praça observando o tempo passar. “Temos
poucas opções agora. Os sonhos são frescos e feitos todos os dias. No final da
tarde é o que tem”. O Tempo me ameaçava dizendo que eu não teria muitas
escolhas. “Nem sempre a vida nos dá opções”, pensei. Mas eu tive a certeza de que
meu sonho estaria ali, porque a cada aurora meus sonhos se renovavam. Eram
sonhos novos, como os que eu queria.
O porta-malas-sonhos da parati abriu-se rangendo,
causando-me um arrepio na espinha. O cheiro doce da realização saia ali de
dentro. Havia açúcar para todo lado. Sempre imaginei que as conquistas seriam
doces e açucaradas, seriam um lambuzar-se e terminar satisfeita, com um bigode
de açúcar e dedos lambidos. Os cestos estavam cobertos com toalhas xadrez,
vermelhas e brancas, como em um piquenique perfeito, em um parque com sombras, grama
verde e céu azul.
“Vai querer de creme ou goiabada?”, indagou. “Gosto apenas
dos sonhos de doce de leite”, respondi ainda tonta, golpeada pela desilusão e
pelo odor de fritura. Voltei para casa de mãos vazias, peito arrasado e costas
pesadas porque cabe a mim, apenas a mim, carregar o peso dos sonhos não
realizados.