quinta-feira, 22 de setembro de 2011
Piolhenta
Piolho. Só de ouvir essa palavra, a cabeça começa a coçar. Quem não se coça ao escutar é uma pessoa extremamente controlada ou não sabe o que é pegar piolho.
“Se piolho fosse boi, estaríamos ricos!”, pensavam meus pais toda vez que iam me buscar na creche e a ‘tia’ dizia ao me entregar no final da tarde: “A Carolina está com uma boiada”.
Quem nunca pegou piolho? Eu comecei pegando piolho no meu primeiro dia em casa, logo que nasci. Minha prima, poucos anos mais velha que eu, estava lá com a minha avó, ajudando minha mãe. Ela iniciou a criação, passou para a minha mãe e ela, por sua vez, passou para mim. Enquanto me amamentava, minha mãe viu o bicho passeando pela cabeça da sua princesinha. E foi aí que começou a minha saga. Mas, o importante é ter uma mãe que tem certificado de catadora de piolho! Ela estava preparada para a vida! É sério! Numa época o problema era tão, mas tão comum, que a prefeitura ofereceu aos professores um curso de ‘catação de piolho’, com direito a certificado.
Hoje conto e dou risada, mas já tive muita vergonha... Não pense que só pegam piolhos as crianças sujas e mal cuidadas. Essas, na maioria das vezes, são as responsáveis pela manutenção dos animais, pois, andam espalhando os bichos pelas cabeças mais limpinhas da sua turma na escola.
Meus piolhos ganharam fama. Meu sangue deve ser mesmo muito bom, pois os bichos eram expulsos e sempre voltavam. Criança sempre acha tudo muito grande, mas, eu tenho certeza que eles eram enormes, cresciam bem, alimentados com meus shampoos e suor. Numa ‘revista’ no prézinho, as professoras encontraram alguns ‘boizinhos’ na minha cabeça. Puseram os gigantescos num vidro transparente, de maionese, sem rótulo, com água, formol ou seja lá o que for aquele líquido no qual boiavam meus animais de ‘desestimação’. Passaram o pote para que todos vissem. Havia piolhos de outras pessoas ali também, mas nunca esqueço de ter ouvido alguém dizendo aos risos: “Olha a piolharada da Carol”. As professoras deram uma aula sobre higiene. E eu fui embora humilhada. Meu rebanho estava menor, mas sua fama era muito maior.
Eu sempre achei que os bichinhos tinham vontade própria. Achavam uma cabeça e, como astronautas que vão explorar o espaço, mudavam-se para lá. Mas, uma vizinha evangélica desfez este mito. Ela tinha o cabelo longo, quase chegando aos joelhos quando soltos. Imagine como seria para ela se livrar dos piolhos? Ela conta que numa ocasião, enquanto todos rezavam de olhos fechados em sua igreja, perdeu a concentração na oração e foi dar uma olhadinha no que acontecia. Avistou, então, uma mulher à sua frente, que tirava seus piolhos e distribuía aos outros irmãos. Isso sim é que é amor ao próximo, o verdadeiro sentido da partilha! Verdade ou não, nunca cheguei perto da mulher para comprovar a teoria.
Quando aparecíamos, eu ou minha irmã, com uma boiada, era uma cerimônia lá em casa. O primeiro que chegava era o sermão, que dizia para eu não andar mais com essa e aquela pessoa. O passo seguinte era passar o pente fino e ver os bichanos caindo no papel branco. Em seguida, aplicavam shampoo que eram ‘bons pra piolho’. Eles nunca funcionavam, então, minha mãe optava pelo vinagre. Cada feridinha ardia, mas o argumento era bom: “Melhor sofrer um pouco do que ser piolhenta”. A roupa de cama era trocada todos os dias, o pente fino passava sem cessar, até que a casa estivesse limpa para um novo grupo de imigrantes capilares.
Acho que meu cabelo era uma espécie de parque de diversões para piolhos. Imagino que cada fio de cabelo enrolado é uma montanha russa para estes insetozinhos indesejados. Ainda bem que os gostos mudam. Os piolhos já não curtem mais o meu sangue. Ufa!
A última vez que peguei piolho foi com cerca de 14 anos. Era dezembro e fui com um grupo de moradores do meu bairro fazer uma ação social em uma localidade muito pobre. Fomos todos de ônibus, pegamos um longo trecho de estrada de chão e lá encontramos centenas de pessoas que esperavam ansiosos pela festa. Levamos sanduíche, bolo, refrigerante, doces e presentes para as crianças. Além do Papai Noel, que distribuía os mimos, nós, voluntários, também ganhávamos abraços de agradecimento. Num desses abraços, ganhei também um presentinho, que se multiplicou rapidamente.
Coincidência ou não, nunca mais participei dessas coisas. Faço minhas doações, mas prefiro manter o anonimato na hora da entrega.
Piolhos imaginários passeiam pela minha cabeça agora. Melhor parar de falar essa palavra, pois a coceira está se agravando.
terça-feira, 6 de setembro de 2011
Por fora bela viola...
Existem situações que só uma sala de aula pode te proporcionar.
Tenho turmas de todas as idades e já precisei controlar as crises de riso diversas vezes, algumas devido ao que eu disse, outras pelo que ouvi.
Todo mundo tem um dia daqueles em que só lava a cara e acha que é o suficiente. Não é depressão, não é mau humor, é simplesmente falta de vontade de escolher roupa, arrumar o cabelo, fazer maquiagem.
Acordei num dia assim e segui em frente, como se ninguém fosse notar que eu posso ser mais assustadora do que normalmente já sou. Às 10h fui dar aula para uma turminha do barulho. Meus anjos têm entre 10 e 12 anos. O que eu acho mais incrível nesta turma é que as crianças falam como pequenos adultos, mas, noutros momentos são extremamente inocentes. Elas ainda discutem a existência de monstros, Papai Noel e outros personagens do gênero.
Comecei a aula e uma das alunas me interrompe como se tivesse algo muito importante para dizer:
- Tia, você não dormiu o suficiente essa noite, né?
Eu ri, constrangida. Eu havia dormido, mas também havia acordado com preguiça, muita preguiça. Prendi o cabelo e fui trabalhar de moletom.
- Dá para ver tia... Você está com uma cara acabada...
Eu não estava acabada até então, mas comecei a me sentir naquele momento. Dei risada e disse:
- Don’t worry! Não se preocupe... Na hora do almoço eu vou tomar um banho, soltar o cabelo, fazer maquiagem e volto a ser a teacher de sempre.
Então, para completar a cena um menino solta a observação que massageou meu ego (com uma luva de pregos!):
- Você pode até fazer isso tia, mas vai só ficar bonita por fora e continuar acabada por dentro, igual aquele ditado...
Deste dia em diante nunca mais saí de casa sem passar pelo menos um batonzinho. Posso até ser um pão bolorento, mas farei sempre o possível para enganar que sou bela viola... Saí da sala rindo no final da aula... "Crianças são r-e-a-l-m-e-n-t-e sinceras", concluí.
Tenho turmas de todas as idades e já precisei controlar as crises de riso diversas vezes, algumas devido ao que eu disse, outras pelo que ouvi.
Todo mundo tem um dia daqueles em que só lava a cara e acha que é o suficiente. Não é depressão, não é mau humor, é simplesmente falta de vontade de escolher roupa, arrumar o cabelo, fazer maquiagem.
Acordei num dia assim e segui em frente, como se ninguém fosse notar que eu posso ser mais assustadora do que normalmente já sou. Às 10h fui dar aula para uma turminha do barulho. Meus anjos têm entre 10 e 12 anos. O que eu acho mais incrível nesta turma é que as crianças falam como pequenos adultos, mas, noutros momentos são extremamente inocentes. Elas ainda discutem a existência de monstros, Papai Noel e outros personagens do gênero.
Comecei a aula e uma das alunas me interrompe como se tivesse algo muito importante para dizer:
- Tia, você não dormiu o suficiente essa noite, né?
Eu ri, constrangida. Eu havia dormido, mas também havia acordado com preguiça, muita preguiça. Prendi o cabelo e fui trabalhar de moletom.
- Dá para ver tia... Você está com uma cara acabada...
Eu não estava acabada até então, mas comecei a me sentir naquele momento. Dei risada e disse:
- Don’t worry! Não se preocupe... Na hora do almoço eu vou tomar um banho, soltar o cabelo, fazer maquiagem e volto a ser a teacher de sempre.
Então, para completar a cena um menino solta a observação que massageou meu ego (com uma luva de pregos!):
- Você pode até fazer isso tia, mas vai só ficar bonita por fora e continuar acabada por dentro, igual aquele ditado...
Deste dia em diante nunca mais saí de casa sem passar pelo menos um batonzinho. Posso até ser um pão bolorento, mas farei sempre o possível para enganar que sou bela viola... Saí da sala rindo no final da aula... "Crianças são r-e-a-l-m-e-n-t-e sinceras", concluí.
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